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O inimigo agora é outro.

  • Foto do escritor: Lulu Peters
    Lulu Peters
  • 30 de nov. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 6 de fev.

Para quem não sabe, comecei a escrever sobre gastronomia nos idos de 2007, ainda no auge da era Blogger. Inicialmente e sem sobra de dúvidas, o que eu fiz, por anos, foi contribuir com o consumidor. Mas agora, o cliente tá sem noção.


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Era, de fato, um blog de alguém que ia aos restaurantes, avaliava a experiência pessoal e de serviço, pagava a conta e contava para os outros. Acabou sendo uma revolução.


Naquela época não havia smartphones com câmera ainda, ou seja, os pratos era descritos com palavras e todo mundo lia. Os restaurantes contavam, exclusivemente, com anúncios pagos em jornais, revistas, TV e rádio. Para os veículos, não tinha como criticar um restaurante que era seu anunciante. E, assim, o Melhor e Pior de Bsb se tornou uma das poucas referências de críticas sinceras. E eu, no início, "metia o pau" mesmo, e as pessoas amavam.


Mas aqui está a ressalva: eu passei a vida "estudando" empiricamente o mercado gastronômico e a gastronomia, além de ser casada, à época, com um Chef que me ensinou muito através dos apontamentos técnicos, como dar nome errado a um prato, utilização ruim de ingredientes, tipo creme de leite no risoto, e, principalmente, pontos de cocção, que, se errado, pode destruir um insumo caro como camarões, polvo, etc.


Com a chegada do TripAdvisor, e, anos depois, o avanço soberano da área comercial do Google, com abertura de avaliações, as críticas gastronômicas do blog perderam força, até porque eu pagava para comer e naquela época, já estava com duas filhas para criar.


Um efeito colateral que eu não esperava do sucesso do blog foi ser convidada por alguns chefs e proprietários que não tinham medo da minha avaliação. Um, em particular, mudou totalmente minha perspectiva. Flávio Leste, Chef e proprietário do Villa Tevere, me explicou muito sobre o funcionamento da casa e um problema que já existia de maneira um pouco mais velada: mão de obra.


Foi ele quem me explicou que a gestão se preparava para um festival tipo Restaurant Week, por exemplo, que gerava filas de clientes e casas, felizmente, lotadas, e um ou dois garçons faltavam, sem justificativa. Resultado: o serviço capengava, e o massacre na internet começava.


Outro fato muito marcante foi quando o Rodrigo, dono do Oliver, compartilhou que era difícil lidar com alguns clientes, principalmente, na Restaurant Week. Uma vez, o fornecedor de lagostim simplesmente não fez a entrega para o restaurante. O desespero que isso causa já é ruim, mas Rodrigo foi lá e bancou a compra emergencial, a preço de consumidor final, camarões VG - muito superior ao lagostim - para substituir o produto na paella individual. E teve gente que, mesmo ouvindo a explicação, reclamou. Queria lagostim, apesar de estar pagando o mesmo preço, para comer um produto melhor e mais caro. Tudo bem, a pessoa podia amar lagostim e odiar camarão, por exemplo. Mas, pelo contexto, me pareceu que a pessoa associava o crustáceo à chique e cara lagosta. E realmente acreditava que o camarão era um substituto inferior.


Ali, eu vi. Nem todo mundo sabia comer. Mas, àquela altura, todo mundo sabia ir ao Trip Advisor criticar.


Hoje, há críticas absurdas, que derrubam o ranking do restaurante consideravelmente, prejudicando as casas de maneira, muitas vezes, absolutamente injusta. Afinal, tem gente que reclama de preço, sendo que, hoje, todo mundo tem cardápio online. Você pode prever antes se cabe ou não no seu bolso.


Os cliente não têm noção do que é o CMV - Custo de Mercadoria Vendida, que recai sobre o preço final. Parecem não enxergar a inflação ou esperam que a mesma não atinja os restaurantes. Meu filho, o supermercado, no geral, é o mesmo para todos. E em Brasília, há o agravante de fornecedores de produtos em quantidade, o que barateia o custo, são famososo por "dar bolo" na hora das entregas.


Reclamações de "carbonara com gosto de ovo", "steak tartare tava cru", restaurante chiquérrimo de São Paulo, com marca famosa, com reclamação tipo "uma entrada, dois pratos e dois sucos deu exorbitantes 215,00". Sério, o cliente brasiliense está surtado. As mídias sociais liberaram o caminho para críticas nas áreas da política, da gastronomia e da vida alheia com um total de zero filtro de qualificação.


E é por isso que eu estou na fase Tropa de Elite 2: o inimigo agora é outro. Os clientes não estão preocupados com a tributação excessiva, custo e dificuldade de se empreender quando não se é um "nepo-baby" de família rica com investidores do papai. Ninguém tava nem aí na hora de pensar direito antes de criticar o garçom que parecia mal humorado e dizer que o serviço geral da casa é ruim. Mas viaja para Paris e adora ser mal tratado por garçom de lá.


O brasiliense está mal acostumado demais. Critica tudo aquilo que elogia quando viaja para fora. "Vida nas ruas", "movimento", mas não suporta ouvir gente rindo no vizinho. Enfim, minha fase de defender o cliente sem filtro acabou. Não que os restaurantes não mereçam puxões de orelha, mas eu gosto do caminho da informação processada, estudada e assertiva. Pode ser que não fique ninguém, mas estou disposta a correr esse "risco".

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©2023 por lulupeters

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