EU TIVE UM FUTURO BRILHANTE
- Lulu Peters
- 10 de jun.
- 4 min de leitura
Como a Geração X acabou privada de explorar seus talentos no século 21 por causa da interferência exagerada dos pais
Eu lembro de muita coisa.Minha cunhada, que é psicóloga, disse que “não”, que eu simplesmente não poderia ter memórias de antes dos 3 anos de idade. Mas eu lembro. Pode me processar.
Claro, essas memórias são flashes, lembranças de lembranças, que carrego comigo há anos e, sim, provavelmente sofreram interferência da minha cabeça e da minha visão.
Mas o que sempre me chamou atenção nessas lembranças é que sempre tinha um senso de consciência muito definido, algo que a gente acha que bebês e crianças não têm, só porque “se não falam, não sabem pensar”.
Minha percepção de consciência vai lá pros meus tempos de berço, lembro que colocava as pernas entre as grades porque o calor me incomodava demais. Sempre odiei sentir calor. E até hoje odeio. Na época, refrescar as pernas me deixava mais confortável deitado no colchão que, pra piorar, era coberto de plástico, apesar do lençol por cima — afinal, bebê faz xixi. E minhas pernas, até hoje, sempre estão quentes. No inverno (do Brasil, claro), eu uso saia curta fácil e sempre deixo uma perna de fora pra dormir.
Beleza, mas o que isso tem a ver com o título?
A ideia é que, se eu tenho memórias tão antigas da minha consciência, outras pessoas podem ter também. E se mais gente estiver ciente da própria existência desde cedo, talvez algumas das nossas paixões, desejos, impulsos e gostos tenham uma razão de existir e não sejam só “sonhos de criança”.
Claro que isso ainda acontece hoje — por exemplo, dinâmicas familiares que determinam o que os filhos podem ou não fazer, pessoalmente ou profissionalmente —, mas quando falamos da Geração X, o descarte forçado de certos impulsos profissionais e criativos como “hobbies” foi especialmente prejudicial pro nosso desenvolvimento. Afinal, fomos a geração que viu, enquanto crescia e aprendia, o avanço tecnológico que a maioria dos nossos pais teve dificuldade de entender.
A gente passou dos discos de vinil e fitas cassete até os serviços de streaming de música, que a gente usa pra caramba. Sem falar do walkman, CDs, discman, mp3 players e torrents no meio do caminho. Minha mãe conhece esses nomes, mas nunca viveu tudo isso além da era do CD.
Pra pais “normais” que sonhavam com os filhos trabalhando em finanças ou direito, era meio inimaginável eles quererem ser músicos, por exemplo. E nos anos 90 e início dos anos 2000, a ideia de conseguir um contrato de gravação parecia coisa de criança, porque era muito difícil mesmo.
Não tô dizendo que hoje é moleza, mas com mídias como YouTube e Spotify, muitos músicos conseguiram ganhar dinheiro com o trabalho, juntar fãs e serem reconhecidos pelo talento. Tem criadores de conteúdo que basicamente mostram sua música ou seu talento pra ensinar pro mundo — algo que pais da geração boomer consideravam impossível.
Por exemplo, eu curtia muito moda. Muitos aspectos da indústria: modelos, estilistas, produção. Minha mãe deixou claro que não ia apoiar eu correr atrás disso. Essa indústria misteriosa, cheia de perrengues e com poucas vagas, impossível pra realizar meu sonho porque eu era ninguém.
Um ex meu era louco por futebol, e a mãe dele achava que isso significava necessariamente virar jogador — sonho de muitos meninos brasileiros, claro —, e ela já dava um “nem pensar” bem desanimador.
Mas depois de 2015, é super possível alguém virar influenciador respeitado em debates e análises de futebol. Assim como criadores de conteúdo falando de moda, em vídeo. Meu Deus, tem gente que ficou rica se filmando jogando videogame, há jogos de futebol fictícios, enfim, não dava para saber o limite.
Escrever, criar, contribuir nessas áreas “impossíveis” virou possível, mas a Geração X já tinha internalizado os “nãos” dos pais e agora tá presa a empregos que odeia, e que tão ficando obsoletos.
O senso de proteção e orientação dos nossos pais virou, anos depois, uma interferência muito tóxica, que virou na nossa cabeça uma aceitação passiva de que tudo é impossível, se não for uma área que eles entendem. E convenhamos, hoje tá difícil acompanhar o surgimento de novas profissões e funções.
Ok, millennials e Gen Z também enfrentam a dura realidade de seguir seus sonhos, em termos de grana e oportunidade, mas pelo menos tiveram mais chance de explorar esses talentos e interesses. Mesmo que depois cheguem à conclusão de que, talvez, um emprego das 9 às 18 com salário seja o melhor caminho.
A Geração X não teve essa chance, a gente é a geração residual da cultura boomer que caiu, sem as vantagens. Como Amy Poehler disse brilhantemente, a Geração X foi a primeira a perguntar: “Será que é tudo questão de dinheiro?”
Só que hoje as conversas sobre as gerações mais novas praticamente ignoram a Geração X. Então só queria deixar registrado que a galera da Geração X dos anos 75-80 ainda tá aqui, e foi a primeira a questionar as regras, mas, sob regras sociais mais rígidas, foi fechada rápido demais na busca por carreiras novas.
Moral da história: se você tem filhos, por favor, não empate a phoda profissional deles. Você não sabe nada do mundo que eles vão viver e, talvez, eles já saibam.
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