O fim da etiqueta
- Lulu Peters

- 24 de set.
- 3 min de leitura

É, no mínimo, irônico, que em tempos de obsessão pela vida de luxo e privilégio alheia, a etiqueta básica esteja tão em baixa.
E, não, não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, apesar de, aqui, termos, sim, um fluxo intenso histórico de falta de senso e educação em público, como reflexo da nossa fragilizada e descreditada cidadania.
Há vídeos de vários locais do mundo, de youtube e instagram, que apontam para a falta de senso coletivo no transporte e outros espaços públicos, onde, essencialmente, as pessoas mostram não compreenderem ou darem a mínima aos limites de sua existência.
Muitos casos são em busca de likes e criação de vídeos esdrúxulos, o que leva criadores de conteúdo a colocarem música alta no metrô, desrespeitarem funerais, museus e eventos, entre outras atitudes marcadas pela desqualificação e verdadeiro desprezo pelo direito alheio de compartilhar daquele espaço.
Recentemente, tenho ficado horrorizada com a falta de etiqueta das pessoas e meu receio é que sempre tenha aceitado esse tipo de conduta, mas por conta da terapia, e cansada de ser feita de idiota, estou mais consciente e alerta quando fazem mal uso do meu bem mais precioso: MEU TEMPO.
Sim, o maior faux-pas (pesquise no google) atual, apesar de som alto, fotos inconvenientes e outros alardes em público serem muito irritantes, é o abuso descarado do tempo alheio. E esse tempo não é, necessariamente, apenas os minutos gastos respondendo um whatsapp de um desconhecido que não sabe adiantar o assunto.
Mas também tem o povo que quer usar do seu tempo de estudo, de networking, para pedir para você “fazer só um release”, “me explicar como faz um release”, "me diz o que você acha dessa campanha", “me passar os seus contatos de jornais e veículos”, ou “incluir pauta X na sua coluna”.
Gente, que coisa feia. A pessoa sequer reconhece que o pedido dela é um favor. É exposto como demanda. Há um vazio muito irritante nesse "você poderia", porque ele é uma armadilha. A pessoa já estabeleceu que a resposta é sim e busca atribuir à você a "grosseria" de se recusar.
Os casos são inúmeros. "Divulga pra mim", "escreve para mim" para uma jornalista é o mesmo que dizer "trabalhe para mim sem remuneração". Um amigo íntimo agir assim é feio, mas o contrato de intimidade é mais maleável e fluido. Mas um conhecido? E, pior, um completo desconhecido te pedir favores profissionais, sendo que a pessoa está sendo paga, mas quer sua expertise de graça, é muito revoltante.
Hoje, mesmo, a pessoa, que conversou comigo por 5 minutos, pede meu contato para a amiga que temos em comum - minha amiga, claro, veio pedir autorização para fornecer, e eu cedi por acreditar no bom senso alheio - e a pessoa manda uma mensagem vazia pedindo para me ligar?! Ligação é para emergências e/ou muita intimidade.
Eu disse que não podia atender ligações, que por favor adiantasse em áudio. A pessoa diz que quer um favor e não dá UMA ÚNICA informação ligada ao favor. Nada. Quer um favor sobre retirada de medicamento e não fala qual medicamento, quando, onde e porque. Cara, manda uma mensagem “Lulu. poderia, por favor, retirar uma dúvida sobre seu trabalho? Eu tenho que pegar medicamento X, sabe me dizer se é fornecido ou pode me indicar onde verifico essa informação?”.
O que aconteceu com a sociedade que, independentemente de status social, sabia que não se telefonava na casa de ninguém depois das 22h, se não fosse emergência. Sabia-se que, se a pessoa estava indisponível para a ligação, era necessário deixar recado e esperar o tempo que fosse até o outro retornar (e às vezes quem estava indisponível era quem ligou). Sabia-se que não era aceitável ficar berrando sobre religião em espaços públicos, regidos pelo Estado Laico, a não ser que você estivesse um diagnóstico de transtorno mental incapacitante (o que deve ser o caso de vários evangélicos radicais), mas que permitiria com que você fosse levado para uma instituição. Gente, não pode.
Não seja essa pessoa. Não force intimidade. Não roube os minutos de ninguém, pois eles estão escassos. Vamos retomar a etiqueta, por favor.




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